Metas educacionais voltam a apoiar classes só para
deficientes
Novo texto do Plano Nacional de Educação prevê o atendimento em casos
que a inclusão não funcionar, polêmica entre educadores
Priscilla Borges, iG Brasília | 02/06/2012 07:00:49
O Plano Nacional de Educação (PNE) ganhou metas diferentes das propostas
pelo Ministério da Educação no Congresso Nacional. Se o texto for aprovado como está, as classes
exclusivas para estudantes deficientes voltarão a receber estímulo. A definição
contraria as políticas mais recentes do ministério, que defende a inclusão
desses alunos em escolas convencionais.
Este mês: Votação do Plano Nacional da Educação
começa em 12 de junho
Expectativa: Mercadante espera que comissão da Câmara aprove PNE ainda este mês
A mudança na redação original do PNE, proposta pelo relator do projeto na Câmara dos Deputados, Ângelo Vanhoni (PT-PR), causou polêmica entre especialistas na última semana. E representou alívio para muitas famílias e representantes de entidades que cuidam de espaços de atendimento específico para deficientes.
Expectativa: Mercadante espera que comissão da Câmara aprove PNE ainda este mês
A mudança na redação original do PNE, proposta pelo relator do projeto na Câmara dos Deputados, Ângelo Vanhoni (PT-PR), causou polêmica entre especialistas na última semana. E representou alívio para muitas famílias e representantes de entidades que cuidam de espaços de atendimento específico para deficientes.
Foto: Alan Sampaio
Novo texto do PNE
reforça papel de escolas exclusivas para deficientes, como o Centro de Ensino
Especial nº 1 de Brasília
Para o MEC, as crianças com deficiências ou transtornos globais de
desenvolvimento devem estudar em escolas públicas convencionais. Os colégios
têm de se adequar às necessidades dos alunos e dar a eles a chance de conviver
com pessoas sem deficiência. A inclusão, na opinião dos
gestores e corroborada por muitos especialistas, promove o fim do preconceito e
crescimento dos estudantes.
O texto apresentado por Vanhoni aos parlamentares, que votarão a
proposta no dia 12 de junho, abre possibilidades diferentes. Define, na meta 4,
que será objetivo do País atender esses alunos, de preferência, na rede regular
de ensino. Porém, “garantindo o atendimento educacional especializado em
classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou comunitários, sempre
que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível sua
integração nas classes comuns”.
Na opinião do deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), que faz parte do
movimento das Apaes há 30 anos, o relatório, agora, “contempla o anseio da
sociedade”. Para ele, a decisão “muito técnica” do MEC foi superada por uma
“decisão política de governo”.
Mais opções
“Somos a favor da coexistência dos dois tipos de escola para a ampliação
das oportunidades educacionais para muitas crianças que não recebem atendimento
adequado em escolas regulares”, comenta Sandra Marinho Costa,
secretária-executiva e procuradora jurídica da Federação Nacional das Apaes
(Fenapaes), entidade que atende pessoas excepcionais.
Sandra conta que 250 mil pessoas são atendidas pelas Apaes em todo o
Brasil. Muitas delas, ela diz, tentaram se manter em escolas convencionais, mas
não tiveram sucesso. “Fazer matrícula e ir para a escola é uma coisa. Estar
incluído é outra bem diferente. Há pessoas com comprometimentos tão sérios que
não conseguem receber atenção adequada e terminam isoladas nesses ambientes”,
diz.
A representante de uma das associações que mais trabalhou, nos
bastidores, para convencer o deputado Vanhoni de que a mudança na meta de
número 4 do PNE era importante garante que a defesa das Apaes é por um sistema
inclusivo de educação. Segundo Sandra, as famílias têm de ter opções. “E há
crianças que, após um atendimento especializado, são plenamente capazes de
frequentar escolas regulares e aprender. Outras não”, ressalta.
Sabine Antonialli Arena Vergamini, diretora de Unidade Socioeducacional
do Centro de Educação para Surdos Rio Branco, em São Paulo, também critica a
ideia de que as escolas regulares fazem inclusão. “Divisão do espaço físico não
significa incluir. Para 99% dos surdos, uma escola só deles é muito melhor”, afirma. Na
escola que coordena, Sabine conta que as crianças são alfabetizadas, primeiro,
na Língua Brasileira de Sinais (Libras). A língua portuguesa é ensinada como
uma segunda língua. As famílias são incluídas no processo.
Mantida pela Fundação Rotariana de São Paulo, a escola só atendia crianças
carentes até bem pouco tempo. Por conta da demanda, eles decidiram abrir
algumas vagas para famílias que podem pagar uma mensalidade: um aluno por cada
classe. As turmas têm, no máximo, 10 crianças e as atividades ocorrem em
período integral.
Ambientes para poucos
Os centros especializados em educação especial não são numerosos no
Brasil. No ano passado, de acordo com o Censo Escolar 2011, eles atendiam
apenas 0,38% dos 50,9 milhões de estudantes da educação básica. A maior parte dessas
matrículas está em colégios da rede privada. São 130 mil alunos em classes
especiais ou escolas exclusivas particulares.
Com a política de inclusão definida pelo MEC, o número de estudantes
nesses ambientes específicos é bem menor hoje do que no passado. Em 2007, havia
224 mil alunos em salas ou escolas exclusivas da rede privada. No mesmo ano, a
rede pública tinha 124 mil alunos na mesma condição. Hoje, eles somam apenas 63
mil. Em classes comuns da rede pública, há 558 mil estudantes especiais. Nos
colégios privados, eles são apenas 32 mil.
Veja também:
O Centro de Ensino Especial nº 1 de Brasília é uma das exceções de
atendimento especializado da rede pública. Possui 150 funcionários, que atendem
311 alunos com mais de 14 anos. Tânia Guimarães, de 51 anos, é uma das mais
antigas estudantes matriculadas no colégio. Está lá há 38 anos. “A idade
cronológica deles não é a mesma da idade mental e isso precisa ser
considerado”, diz a supervisora pedagógica da escola, Claudia Garcia.
A proposta pedagógica do CEE 1 de Brasília não é como a de uma escola
convencional. Não há um currículo obrigatório a ser superado por todos os
alunos. “Aqui, as possibilidades de cada um são analisadas por equipe
multiprofissional. Nosso objetivo não é pensar nos limites, mas nas
potencialidades deles. Para muitos, a missão é socializá-los, dar autonomia
para atividades práticas do dia a dia”, conta Adriana Cruz, diretora do centro.
Dos 311 estudantes, 121 estão matriculados em escolas regulares e só
realizam atividades complementares nos ambientes da escola.
Retrocesso
Para Claudia Gabrois, do movimento Inclusão Já, a nova definição da meta
é um retrocesso. “Ela fere preceitos constitucionais. As pessoas com
deficiência têm o direito à educação em escolas regulares. Se existem recursos
nas escolas especiais, eles podem estar dentro das escolas
comuns. Essas pessoas não podem ser segregadas da sociedade”, defende.
O ministro da
Educação, Aloizio Mercadante, também defendeu a inclusão. Para ele, foram as políticas
inclusivas que aumentaram a presença de pessoas com deficiência nas redes de
ensino. “A escola de atendimento especial é um direito, sim, mas para ser
exercido de forma complementar e não excludente”, afirmou.