quarta-feira, 26 de outubro de 2011

CRÔNICA SOBRE SURDEZ

CRÔNICA SOBRE SURDEZ
depoimento de uma leitora
“Hoje estou me sentindo muda. Muda por que acredito que todo mundo tem o direito de escolher o que quiser. Estou indignada por que muitas pessoas não entendem que quero ter o direito de escolher pra quem, onde e quando eu quero falar sobre a minha deficiência auditiva.
O que você acha? A maioria acha bobagem. Imagina, quando inicio uma conversa com alguém, meu marido ou alguém da minha família entra na conversa e diz: “ela não escuta direito, tá?”
Que coisaaa! Deixa que eu falo? Não fico brava, mas fico pensando que EU deveria falar, não é? Como acredito que quando convivemos com alguém temos que falar tudo o que gostamos e o que não gostamos, fui falar com toda a educação que eu preferiria falar e escolher o momento de falar da minha surdez.
Ahh… é pura frescura.”
NÃO acho frescura, estou pedindo respeito. Certo que talvez tenha perdido algumas coisas, passado por antepática, grosseira e sei lá mais o que… Mas o que adianta informar se algumas pessoas ainda acham que a gente está querendo chamar a atenção, que apenas escuto o que eu quero (essas piadinhas), ficam testando se a gente é surda mesmo. E também não quero sair por aí com uma faixa na testa: “Fale mais alto, desculpe não sou grossa, sou surda! Pô!”
É a minha vontade, acho que não é um defeito, mas apenas algo particular e quero escolher o momento e a pessoa que vai saber. Por favor, me digam que não sou uma antissocial (é assim na nova ortografia?) intragável.  Acredito que não!”
Querida leitora,
Eu sinto a sua dor! Demorei um bom tempo até aprender a me impor com as pessoas a respeito disso. Na verdade, onde eu mais me irritava era no trabalho – na família, graças a Deus, não passei por isso, mas, com alguns amigos, sim!! No trabalho, várias vezes (trabalho há quase 10 anos no mesmo lugar, e isso acontecia nos primeiros anos) eu estava atendendo normalmente uma pessoa, ouvindo e entendendo o que a mesma dizia, sem problema algum de comunicação, quando chegava uma colega por trás e dizia em alto e bom tom: “Ela não escuta, viu? É surda!”. O sangue fervia!! Se eu estivesse numa situação em que meu interlocutor estivesse repetindo várias vezes alguma coisa e eu não entendesse, até agradeceria a ‘ajuda’, mas, da forma como era feito, era um desrespeito tremendo SIM. E o pior era que sempre me aprontavam essa quando eu estava atendendo algum moço super bonito! Olha a maldade!Rsrsrsrs!! E a gente sente na hora se a energia é boa ou ruim, ou melhor dizendo, se a pessoa fez isso com boa intenção ou com a intenção de menosprezar você diante do outro. Não acho, de forma alguma, que alguém tenha o direito de anunciar a minha deficiência sem o meu consentimento – já comentei no blog uma vez que penso isso inclusive por questões de segurança.
Fora do trabalho, já passei por isso com algumas ‘amigas’ (muy amigas) também. E o engraçado é que as situações SEMPRE envolveram momentos em que eu estava num papo ótimo com algum moço interessante. E afirmo isso categoricamente porque já estive em situações em que as ‘amigas’ podiam me salvar – conversando com outras mulheres, por exemplo – porque eu não estava entendendo o que a pessoa me dizia, e não falaram nada!! Estranho, não? Me pergunto se não é uma atitude meio sádica de algumas pessoas, no seguinte sentido: você está se comunicando com alguém que não nota nenhum ‘defeito’ visível em você (alô, surdez, a deficiência invisível) e isso causa uma vontade incontrolável numa pessoa maldosinha de apontar o dedão bem na sua cara e mostrar “ô, seu burro, olha o defeitão que ela tem!”.
Bom, essa é a minha opinião, a respeito das situações que já vivi e costumo viver.
Nessas horas, temos obrigação moral de abrir a boca e informar que não queremos que tal fato se repita. Se você não fizer isso, pode ter certeza de que irá se repetir ad eternum. Mesmo que a família não faça por maldade, a verdade é que ela não tem que fazer. Somos nós que temos o direito/dever se fazer isso quando julgarmos necessário. Ou alguém sai anunciando todo dia por aí aos quatro ventos “oi, sou deficiente!”. Acho que não, né? É uma coisa tão, mas tão pessoal e íntima, que não acho que alguém além de mim possa usar essa informação quando bem entender. Exemplo: hoje, aqui no trabalho, atendi uma senhora muito querida. Quando pedi que ela assinasse um documento, a mesma me informou “sou analfabeta“. Que tipo de pessoa eu seria se saísse usando essa informação a respeito dela sem que a mesma me pedisse?

Fonte: email recebido do site livrariavirtual

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